Julieta está morta - pt. 2

[...]
-Tem certeza que não pode entrar com filmadora? Nem eles tem um lugar pra guardar?
-Se desse eu não teria voltado pra guarda-la no meu carro, Deus, cheguei aqui tão cedo pra não perder um só minuto desse show, comprei carga nova pra danada e justamente por causa dela vim parar neste fim de mundo - respondi, gesticulando para a placa "60 minutos apx. a partir daqui", ao que minha interlocutora sorriu e disse: "ah, mas todo show atrasa", coisa que eu já sabia, mas quase todo mundo ia estar minha frente, placas e mais placas, homens carregando mulheres nos ombros... enfim. Sorri de volta pra ela, mas sua expressão já estava ilegível.
-Acho que vou ligar pra ver se um dos meus filhos está aqui perto. - Filhos? Estava tão escuro que nem teve ânimo pra prestar atenção na idade da mulher. Droga, não é como se eu já estivesse ficando afim dela, mas se lerem meus textos, parecerá até que estava falando dela. Ela era aquilo tudo e, quem sabe?, ainda mais. Quer dizer... ela tinha uma energia, hmm, apenas dela. Não era forte e definida nem cinza e incoerente. Não era o ponto de encontro entre duas linhas, não era equilíbrio, desequilíbrio. Talvez o diferente dela fosse um "super-nada". E talvez a atração que ela exercia sobre mim era a do pleno desconhecido.
Isso que ela era, uma desconhecida. Ao contrário de Torrance, essa mãe era terreno escuro e, certamente, inalcançável. Ela devia ter experiências que eu nem sonhava o seu real significado. Ela casou, teve filhos, estava na sua segunda família, saia pra shows desacompanhada e provavelmente nunca conhecera a escuridão do ócio.
Sem pensar suas vezes, mas ao mesmo tempo tomando nota do quanto eu queria aproveitar a companhia da mulher que não podia ter ao máximo, ofereci-me pra guardar a máquina em seu carro, claro, se ela estivesse disposta a confiar em mim. Ela deu uma risada curta, mas tão verdadeira quanto possível. Em seguida observei que não podia perder mais tempo na fila e que ela teria de guardar meu lugar.
Seja por submissão ou confiança, Esther - como eu acabara de descobrir - concordou com meus planos, e talvez pra sua surpresa, voltei, e mais do que isso: passamos todo o show juntos, dançando e cantando incansavelmente e não se importando com os momentos que alguém nos empurrava ou pulava dificultando a visão do palco. Em um momento de euforia, eu também a carreguei.
Continua ♡

Um comentário:

Ei, anjo: obrigada <3