Julieta Está Morta - pt. 3

-Por quê "Julieta Está Morta"? - repeti a pergunta, as palavras se demoravam na minha fala, mas enfim saíam. Eu não aguentava mais aquele cheiro de incenso, e olha que eu ia na casa dela uma vez por mês. Aquele quintal metido a esotérico, com cristais, cacto e cheiro forte, tinha seus encantos, mas eu não me afetava mais, só queria ir embora. - É que eu acho que Shakespeare quando criou Julieta, quis definir uma mulher que amava profundamente. E eu não acho que as mulheres possam amar assim, não de forma passional. - Eu disse enquanto olhava a capa de minha agenda, ignorando seus olhos fundos - Sei o que está pensando. Se eu penso que os homens podem? Não. Nesse caso "estar morto" é outro jeito de dizer "nunca existiu". O amor passional que nunca existiu. Entre Romeu e Julieta, escolhi a figura feminina.
-Por quê? - Esther arqueou a sobrancelha.
-Por pura estética - Eu disse, e só depois percebi que ela podia estar falando sobre o amor.
Guardei aquele objeto que meus olhos encaravam como quem diz: "o que faremos agora?", e pra minha gratidão, ela abriu a porta de correr, me convidando a entrar.
Percebi há tempos que ela não sabia dizer não. Uma parte minha adoraria se aproveitar disso, mas a que queria ajudá-la falava muito mais alto. Era por isso que ainda estava lá. Sim, eu tinha meus problemas. Claro, não queria realmente me apegar. Percebi que ela não evitava as cobranças, mas ainda assim sempre parecia que eu estava fazendo um favor. Sei que mais pessoas são como ela. Eu a ajudo por experiencia, pois se uma única pessoa tem a cura, toda a humanidade também têm. Submissa, carente e insegura, eu sabia lá de onde ela tinha arranjado tais características? Quando dizem que o que você é pode ser resultado até de quem você foi? (isso, claro, em vidas anteriores)
Eu não era médico, mas adorava ser seu terapeuta. Apesar de ser uma pessoa meio que... ferida, Esther sabia se divertir. Ser atenciosa. Agradável. E me querer mais quanto mais tempo eu me demorava ali, como meu jeito estúpido de falar.
Continua ♡
 Obs.: Na parte 2 de Julieta Está Morta eu tinha escrito na terceira pessoa, sem querer. Mas já troquei, desculpinha xx

A quem possa interessar

Quando você não come seu sanduíche um unicórnio morre. #fatodopapai Com amor, papai
Eu não acredito mais no que meus olhos vêem. São limitados. E estão doentes.
A garota que eu vi na rua hoje tinha muito cabelo. Ele era volumoso, comprido, liso. Sua roupa era curta e colada ao corpo. Tudo nela fazia-a parecer menos da metade de mim. Muito magra. E da minha altura. Diante daquela garota, daquela cena, senti algo em mim revirar-se. Como quando eu vejo sangue, sabe? Sou um tanto quanto sensível. Nesse momento sentei e comecei a observar os demais presentes, pra me distrair daquela sensação.
Claro, eu não sabia porque ela era assim. Podia ser seu biotipo, metabolismo acelerado, ou talvez ela apenas não se desse bem com comida (por gosto ou refluxo), mas podia ser resultado de uma obsessão, e ainda que não fosse, eu sei quantas e quantas pessoas são. Temi pelo que eu posso ser, já que tenho sentido cansaço, meu corpo insustentável. Temi pela minha melhor amiga - que de tempos em tempos chora pra mim o quanto seu peso te rotula na sociedade, e como pode ser um passe verde ou uma negação em sua vida.
Não estava vitimizando-nos. Enfim minha fraqueza deve ser consequência de outros problemas, imagino quais. Minha amiga não toma laxantes e eu tenho certeza que pensaria duas vezes antes de fazer algo que pudesse colocar sua saúde em risco. Pois tem muitas pessoas que sofreriam com isso, como eu, e sua família. Você, que está lendo isso, saiba que é barata a estética desse mundo. Como o dinheiro é apenas um papel, um corpo bonito não passa disso. Coloque sua moral à frente desses assuntos tão e tão mundanos.
E saiba que eu estou aqui. Eu prezo pela sua saúde e por tudo que você pode fazer. Foque no seu sonho e no seu talento. E não deixe que a futilidade de terceiros deixem-na abater, por favor. Por favor. Rezo pra pessoas como você todas as noites. Embora você não acredite, há muita gente que se importa.
"Porém o Senhor disse a Samuel: Não atentes para a sua aparência, nem para a sua altura, porque o rejeitei; porque o Senhor não vê como vê o homem. O homem vê o exterior, porém o Senhor olha o coração." 1 Samuel 16:7

Querido John,

As Virgens Suicidas, 1999
Houve um tempo que as lágrimas pararam de correr. Agora eu fico acordada de madrugada na privacidade selada da minha imaginação, e mesmo durante o dia só fico na cama. Embora essa vida seja triste, é mais segura pra mim. O fato de eu não tentar fazer mais nada, na minha cabeça, justifica o fato de eu não conseguir. As coisas têm sentido.
Minha mãe não aceita eu passar os meses jogada nesse ócio, pra ela é como uma depravação - embora saiba que a minha doença que me desgastara. Eu estou corrompida mesmo, cheia de heranças ruins, mas quem pode me apontar o dedo? Eu não tenho culpa, sou apenas parte de um sistema onde as pessoas não se importam umas com as outras, eu sei disso, e sei que assim como eu, há mais pessoas com os mesmos problemas e é provável que eu fale com algumas rotineiramente, sem fazer ideia daquilo que enfrentam.
Eu não faço qualquer coisa nem por mim mesma, como alguém há de esperar que eu faça por outra pessoa, e como hei eu mesma de esperar qualquer coisa de alguém? O fato é, eu não espero.
Não gosto de muitas surpresas em minha vida, uma vez que essas se provaram traiçoeiras e vazias, fiquei muito cansada de me olhar no espelho e ver um rosto desconhecido, e sinto náuseas ao pensar em conhecer a fundo um alguém que mexa comigo.
Sou mesquinha e catatônica, se te escrevo é porque você faz parte desse enredo ensaiado, e se eu te aceito na minha vida só pode ser por amor.
Perdoe-me por não saber oque fazer com ela.
Eu me arrependo de todas as fronhas molhadas e de todo o suor que a minha ansiedade e desconforto proporcionam. Me arrependo de todos os palavrões chulos ditos no meio de um dia relativamente bom. Eu sei, não tenho do que reclamar. Eu sei, sou o maior dos meus problemas.
Eu ainda oscilo entre a aceitação e a culpa. Me ajude a achar uma alternativa melhor.

Um dos meus primeiros textos (12/2011)

 Dominique Swain
Quando li esse meu texto hoje a primeira coisa que me veio foi que estava ok, já que eu fiz com... (calculando) 12 anos. Queria ter aproveitado ele pra fazer um texto melhor com a minha maturidade de agora, mas o legal é ele ser tão antigo. Xx.
Eu estava particularmente linda naquela manhã com cheiro de lavanda. Que clichê. Será que ele não tinha nada pior pra me falar naquele sábado? Tinha. Ele sempre tinha. E foi enquanto eu segurava na minha cabeça o meu descontentamento com o que ele disse que ele encostou de leve a mão na minha bochecha.
-Calma. –disse ele, enquanto acariciava aquela bochecha com uma estranha intimidade – Eu não falei pra te ofender, pequena. Ah, e aquela mania de me chamar de pequena é que me dava mesmo nos nervos. Mais tarde, naquele mesmo dia, a Julie me irritou muito. Mesmo. Mas não imaginei que ela tivesse visto aquela cena.
-Eita, Nathalie. –disse ela numa risada apropriadamente maléfica- Vai com calma com o rapaz.
Eu tentei explicar a Julie que ele foi o atrevido e teve sorte de eu não ter metido o pé naquela fuça, mas ela nunca entenderá. É inútil falar com a Julie. E é por isso que eu gosto tanto dela. Com ela, não é necessário fingir, muito menos dialogar. Julie é como a música. É livre, solta e ingênua. É como falar com as paredes. No bom sentido, claro. Decidi parar de pensar tanto e aproveitar o último dia naquele Resort. No domingo, iríamos embora. Mas o domingo não foi tão ruim como eu pensei. Ao invés de ter clima de véspera de segunda, teve clima de sexta-feira à noite. Antes, eu, fechada para as possibilidades não gostaria nada daquele domingo. Mas algo me tinha feito mudar. Só espero que não tenha sido o Leonard.
Eca. Olhos negros, pele branquinha, sardas no rosto, cabelo desajeitado teimando cair no olho. Só eu que não acho esse cara um gato? Sou só eu, sim. Anormal da minha parte. Como sempre. Sempre. Sempre considerada a anormal. Acho que aquele domingo estrangeiro pra mim foi normal pros outros. Completamente. Bom, digamos que aquele domingo foi bem “romântico”. Leonard. Leonard. Tinha que ser ele o cara a me falar tantas coisas bonitas? O importante tinha sido a minha perplexidade depois de ouvir tanto. Na verdade, o que estragou foi o beijo no final. Seguido pelo tapa. Clichê mais uma vez. Isso é ou não é a minha cara? É. Pode ser. Nada é impossível para Nathalie Prescott. Bom, a partir do tapa, as coisas se tornaram anormais (que surpresa, Nathalie!). E eu olhei pra ele com aquela expressão “foi o reflexo” e ele com aquela ilegível. Depois, bem, depois eu comecei a chorar. E, pra minha surpresa tudo que ele fez foi me dar aquele ombro pra eu chorar. Eu chorava enquanto ele cantava “Encosta a tua cabecinha no meu ombro e chora… E conte essas suas mágoas todas para mim… Quem chora no meu ombro eu juro que não vai embora… Porque gosta de mim.”. É o consolo "mais original" que eu já ouvi. Depois aconteceu algo bem pior. Depois que parei de chorar tanto, apenas demos as mãos e fomos embora, em silêncio. Até minha cabeça estava em silêncio. Foi um momento puro e bonito para mim. O tipo de momento que tem um esplendor inesquecível na minha mente.
No resto daquele dia, eu tentei desviar o meu pensamento do Leonard. Tentei me distrair com mimos como um café Starbucks. Na verdade, adiantou um pouco. Aquele café me fez lembrar de como eu conheci a Julie. Mas a Julie me lembra o Leonard. Pera lá! Isso não faz sentido algum. Eu me sinto uma Alice no país das maravilhas. Poxa, eu tô num lugar onde tudo é maluco. Preciso pensar no que vou fazer agora. Eu preciso decidir nesse instante o que fazer quanto a Leonard. Mas eu não estou com cabeça pra isso. Não. Eu vou dançar. Dançar conforme a música. Quando fui dormir, acabei pensando em tudo que tentei não pensar durante o dia. Eu quase não dormi, chorando. Mas dessa vez sem um ombro pra me apoiar.

Julieta está morta - pt. 2

[...]
-Tem certeza que não pode entrar com filmadora? Nem eles tem um lugar pra guardar?
-Se desse eu não teria voltado pra guarda-la no meu carro, Deus, cheguei aqui tão cedo pra não perder um só minuto desse show, comprei carga nova pra danada e justamente por causa dela vim parar neste fim de mundo - respondi, gesticulando para a placa "60 minutos apx. a partir daqui", ao que minha interlocutora sorriu e disse: "ah, mas todo show atrasa", coisa que eu já sabia, mas quase todo mundo ia estar minha frente, placas e mais placas, homens carregando mulheres nos ombros... enfim. Sorri de volta pra ela, mas sua expressão já estava ilegível.
-Acho que vou ligar pra ver se um dos meus filhos está aqui perto. - Filhos? Estava tão escuro que nem teve ânimo pra prestar atenção na idade da mulher. Droga, não é como se eu já estivesse ficando afim dela, mas se lerem meus textos, parecerá até que estava falando dela. Ela era aquilo tudo e, quem sabe?, ainda mais. Quer dizer... ela tinha uma energia, hmm, apenas dela. Não era forte e definida nem cinza e incoerente. Não era o ponto de encontro entre duas linhas, não era equilíbrio, desequilíbrio. Talvez o diferente dela fosse um "super-nada". E talvez a atração que ela exercia sobre mim era a do pleno desconhecido.
Isso que ela era, uma desconhecida. Ao contrário de Torrance, essa mãe era terreno escuro e, certamente, inalcançável. Ela devia ter experiências que eu nem sonhava o seu real significado. Ela casou, teve filhos, estava na sua segunda família, saia pra shows desacompanhada e provavelmente nunca conhecera a escuridão do ócio.
Sem pensar suas vezes, mas ao mesmo tempo tomando nota do quanto eu queria aproveitar a companhia da mulher que não podia ter ao máximo, ofereci-me pra guardar a máquina em seu carro, claro, se ela estivesse disposta a confiar em mim. Ela deu uma risada curta, mas tão verdadeira quanto possível. Em seguida observei que não podia perder mais tempo na fila e que ela teria de guardar meu lugar.
Seja por submissão ou confiança, Esther - como eu acabara de descobrir - concordou com meus planos, e talvez pra sua surpresa, voltei, e mais do que isso: passamos todo o show juntos, dançando e cantando incansavelmente e não se importando com os momentos que alguém nos empurrava ou pulava dificultando a visão do palco. Em um momento de euforia, eu também a carreguei.
Continua ♡

Da próxima vez que decidir meter os pés aqui, verifique o tapete. Observe as pegadas, observe os desenhos incompletos traçados durante a estada de todos os outros que já ousaram meter, e que consequentemente se foram.
Eu que sou hotel beira-de-estrada, ofereci o melhor que eu pude, mas você preferiu ir porque tinha um destino final, e não era eu.
Uma observação: essa foi a primeira vez que eu quis parar a correnteza nem que por um momento, pra tomar um banho tranquilo em uma água que já me conhecia.
Do pouco que eu pude te conhecer sei que você vai compreender esse texto, mas não vai compreender oque me levou a escrevê-lo, o que me leva à parte triste: também não sei (se quero me aproximar, tentar de novo, continuar achando que faço parte da sua vida).
Lembra quando a gente se despediu? A pior despedida é quando  você não precisa olhar nos olhos da pessoa uma última vez, porque já sabe oque vai encontrar.
Me desculpe por não saber oque dizer, e não ter nada pra te oferecer que você já não tivesse.
Realmente não tenho nada além da certeza que a gente não tem mais jeito nem por onde recomeçar (risos), mas eu tô aqui... Por quê, hein?
Acho que no meio de tantas incertezas que eu tenho, nessa vida conturbada que não me dá tempo de acompanhar, nas coisas que não digo porque não saberia explicar, há uma outra certeza estranha: Eu gosto de você. Minha psicóloga disse que eu na verdade quero alguém melhor que você, e eu ri ("você não está entendendo", disse a ela, ao que ela respondeu, "e você está?", e eu acho que sim. Essa é a pequena parte da minha vida que eu posso olhar e dizer: É isso!).
Acho que prefiro que gostem de mim com muita intensidade mas por pouco tempo do que muito tempo mas me evitando e se cansando e às vezes gostando. E eu sei que a primeira opção não existe. Mas tudo bem, tudo bem. Qualquer coisa com você é bom demais, e ruim demais, os dois juntos. E eu acho que a culpa é minha. Sou insegura, não aproveito, encho o saco depois e não dou espaço nenhum! Uau, e tive que escrever pra começar a pensar com sinceridade, sabendo que eu ia te mandar, pra perceber isso.
Pra fechar, quero saiba também que te desejo tudo oque você merece (coisas boas), e que espero ser pelo menos sua amiga. Sabe aquela parte no início do texto que digo que não sei oque eu quero? Acabei de descobrir. Não ir embora de verdade, e continuar contigo nem que seja pra te ver feliz com outra.

Sobre essa dor que eu tô sentindo agora

Lolita 1997
Como você pode acabar com meu dia em menos de cinco minutos? (Apesar de que quando você começa essa amostra grátis do inferno ela se arrasta pelo dia todo) é impressionante como você pode cuspir e vomitar em cima de mim aparentemente todos os momentos desgostosos do seu dia. Você escolheu que rumo sua vida ia tomar, e você me escolheu. Já nasci nesse cenário de tragédia pronto, mas quem sou eu, escute aqui, não é você quem vai escolher. Você pode jogar minhas coisas fora e a minha roupa no chão, mas elas sempre vão voltar pro mesmo lugar. Enfim, não me culpe pelos seus dramas diários. Me poupe de seu discurso ensaiado. Me poupe de ter que lidar com isso. Eu sei, este é um texto que você nunca lerá, mas você deveria saber sozinho. Sei que sua saúde mental não é das melhores, mas não usarei isso como desculpa pra destruir a minha vida.
Desculpa a sinceridade, mas você tem arruinado a minha alma. Perdão se no processo eu também acabar arruinando a sua.
Você olhava pra mim pacientemente, e eu, débil, cabisbaixa, implodindo, ensaiava baixinho a peça que assistia nos meus rascunhos que tinham a sua forma, que tinham a sua essência. Adverti que nem me respondesse e estremeci ao dizer que acordava sentindo seu gosto vago. Meu desejo tem o seu toque e quando chamam meu nome a voz que eu escuto é sua. Eu te quero, sim, mas já passei dessa fase. Não posso continuar sendo a Lolita de ninguém, quero que me amem por quem eu sou e não pela vertigem de uma aventura qualquer.
"Maturidade", eu disse, voltando ao meu raciocínio, "significa ser coerente". Sem desfazer o semblante sério, escrevia a quarta parte da nossa obra.
Nas noites em que brigávamos, eu sempre caminhava no mínimo cinco quarteirões pra me manter afastada do telefone e da vontade de te ligar.
Eu chegava em casa suja e cansada e mesmo assim só conseguia pensar no seu cheiro, e em como você me acolheria e eu me sentiria bem de novo.
Se eu fosse o tipo de mulher que dá o número errado de propósito, que não espera ligações e nem liga também, que não precisa atrair olhares diferenciados para se sentir maravilhosa, eu nem teria te conhecido! Mas eu anseio por algum tipo de mudança, sinal, ou sei lá oque eu estava querendo quando te liguei pra apostar quem chupava mais picolés. Eu nem te conhecia (direito), poderia ter chamado aquele pretendente do escritório mas escolhi você.
Ainda não decidi se isso foi uma má escolha, mas estar nos seus pensamentos é como estar no porto seguro que eu sempre idealizei.
Chegará um ponto que sua mágoa vai ser tamanha que você não conseguirá senti-la por completo, nem nos momentos mais privados de sua dor. Chegará o dia que você vai querer deitar-se sob sua cama - a mesma desde que paraste de crescer. A mesma que ouviu seus gemidos de choro e excitação. A mesma que você sempre quis deixar, na casa que jamais foi sua, na vida que você renegou, em um mundo que você jamais pôde compreender ou conquistar o mínimo grão de areia que fosse. Você queria querer, tentar e ser o tipo que vale a pena. Queria enxergar o sentido de tudo, e de tanto, e de você ali, fazendo coisas que às vezes... não teve nem escolha.
Talvez você tivesse passado tanto tempo tentando enxergar as raízes de uma árvore através da terra que acabou esquecendo de olhar pra cima pra ver que árvore era essa.
Sim, um dia você vai querer deitar naquela cama, mas deitar diferente, deitar uma última vez e preencher-se com remédios, rasgar o próprio estômago e provar da sensação da inconsciência.
Você sabe o quanto o mundo tem te desprezado e você conhece o sentimento de estar à margem por opção. Ele solicitou sua presença. Por um momento ou dois a concebeu para depois joga-la fora em um lugar diferente de onde achou. Mas com sentimentos mudados e mente corrompida ou não, você sabe que pertence a ele, e causar sua morte é como continuar sofrendo e fazendo parte daquilo, é uma entrega, uma humilhação final e a certeza de que você não conseguiu, que você perdeu.
Sempre prefira a dúvida.
Eu estava triste como se nenhuma outra palavra pudesse ser sobre mim, porque quando falta, essencialmente falta, tempo próprio é uma condição falível e singular, e o tempo do universo foi o que conflagrou sua alma, as manhãs que beijam seu corpo eventualmente frio com a primeira luz salgada do dia, cada centímetro de tuas retentivas, e sua sensualidade. Torna-se inerte, torna-se, sempre, todos os dias, novamente, sucessivamente, ininterruptamente, alienado, triste e alquebrado. Acostumada a desistir a cada minuto, aneguei-me em uma complacência morta, decadente.
Entretanto a essência do ser não se descreve pela sua história. Os erros que eu cometi ou deixei de cometer são apenas consequência de quem eu sou, e como me ensinei a reagir aos eventos da vida.
Nunca me forcei a ser quem eu não sou. Nunca mudei de opinião por causa da opinião dos outros. Nunca mudei minhas atitudes, nunca lutei contra mim mesma. Eu me assumi.
E mesmo que eu soubesse dos resultados, eu não faria nada diferente. Cometeria os mesmos erros. Aprenderia com eles do mesmo jeito que aprendi, queimando por dentro e com um sorriso igual.
Bela Deidre de Ohio,
Uma noite eu estive longe de casa, longe de todo mundo que eu conhecia, muito mais longe do que eu já tinha ido antes. E eu nem lembrava disso, por que parecia que eu finalmente tinha me achado no mundo. Eu passeei no carro de um estranho com as pernas no encosto traseiro e ele equilibrava seu copo de bebida na minha barriga exposta. Por que eu sempre vou tão longe, pra aceitar por um dia ou dois, que não foi como eu queria? Que tipo de vida é essa, onde eu vivo em todos os lugares, menos dentro de mim mesma? Por que eu sinto que sair de qualquer forma, por que eu tomo remédio pra dormir sem ter insônia, por que minhas pernas amanhecem dormentes depois de um dia em que absolutamente nada fora do normal aconteceu?
Eu não sinto falta de um alguém específico.
E pra mim, Deidre, você nunca foi nem teria sido alguém que eu colocasse em um pedestal, de diferença, de superioridade. Você podia ter outro nome, ter vindo de outro lugar, poderia não ter esses lindos olhos cansados.
Entende o que eu quero dizer?
Você é livre do meu passado divergente e das pessoas que eu conheci, livre das minhas doenças, dos meus princípios, do meu ciúme. Eu te libertaria de tudo. Até do meu amor.

Querido Deus,

Li em um livro que podemos, devemos, sofrer de vez em quando. Que é por isso que estamos aqui, pra aprender com nossa dor. Mas ainda acredito que me ouve quando rezo. Sei que sim.
Deus, essa é a parte que eu agradeço, porque eu era uma flor sem raízes, livre de correntes, livre de princípios, alheia a qualquer obediência. Mesmo a que me faria bem. Obcecada por liberdade, deixei minha terra, deixei minhas irmãs, acreditando que eu poderia partir, que poderia alcançar o longe. Que o desafio era ousar ser diferente, e contrariar qualquer regra e instinto de sobrevivência. Meu juízo deixei nas raízes, que já não eram mais tão minhas. Selvagem, eu acreditei em mim mesma e tive fé na minha busca até agora. Mas eu não teria como achar oque eu queria, eu não sabia aonde encontrar. Não tinha como saber. O mundo é grande demais pra uma flor sem raízes. Estava perdida. A felicidade não estava lá fora, não estava longe, e não está agora na minha mãe terra que eu deixei chorando por mim. A felicidade está nas minhas pétalas tão comuns de flor do campo, está nesse miolo mole que eu sempre achei que não me faria falta. Está nas minhas folhas murchas que a falta de água me causou.  Está no amor próprio, na autossuficiência, na humildade de aceitar mudanças internas. Em admitir os erros, em se arrepender, em chorar, em aprender e não chorar mais por isso. Em abrir um sorriso dormindo (quando eu nasci meu pai disse que quando isso acontecesse o mundo todo ficaria mais lindo. Eu achava que era só amor paterno excessivo e sua obsessão por se tornar um escritor. Só a tendência em fazer poesia. Mas ele só disse a verdade. Quando eu me tornasse feliz, o mundo todo seria mais bonito, pra mim, quero tanto abraçá-lo por ter me dado a resposta da sobrevivência). Segundo Buda, você é o que pensa, e o Senhor me ensinou que eu posso controlar meus pensamentos. Que posso me vigiar, e que quando as minhas tendências pecadoras de humana parecessem mais fortes do que eu, eu posso orar, e mostrará-me de novo como ser o que preciso.